segunda-feira, 15 de maio de 2023

A garota da casa ao lado - Jack Ketchum (baseado no caso Sylvia Likens)

Um livro que conta com o prefácio do rei do terror - Stephen King - com certeza entrará para o rol de suas leituras prediletas. Pelo menos entrou para o meu.
Eu classifico essa obra como uma daquelas em que a gente morre um pouco enquanto lê. 


Morre em nós a inocência de enxergar o mundo sob um véu cor-de-rosa, através do qual ainda podemos acreditar que todo ser humano no fundo é bom e pode ter uma segunda chance, mesmo após cometer os crimes mais atrozes.
É mais fácil pensar assim. É muito doloroso imaginar que possa haver gente capaz de torturar um semelhante com requintes de crueldade e ir ceifando sua vida aos poucos, saboreando cada segundo de sadismo com prazer insano.
A dinâmica dessa obra é exatamente a descrita acima. Baseado em fatos da vida real, mais precisamente na história da pobre Sylvia Likens, Jack Ketchum nos conduz com maestria ao porão da casa dos "Chandler", em uma cidadezinha do interior dos Estados Unidos, onde as sevícias sofridas pela adolescente "Meg" são executadas por um bando de delinquentes juvenis, tutelados por uma escória ambulante que atende pelo nome de "Ruth Chandler".
A história de Ketchum, conta com um narrador em primeira pessoa, o garoto David, vizinho de Ruth e melhor amigo de seus três filhos: Willie, Donny e Ralph.
Os Chandler recebem em sua casa as irmãs Meg e Susan, que são suas primas distantes. As garotas ficam órfãs após um acidente de carro ceifar a vida de seus pais. 
Presentes no acidente, ambas sobrevivem, mas Susan permanece com sequelas que a incapacitam de andar normalmente.
Ruth, abandonada pelo marido, sustenta seus três filhos com a parca pensão que este lhe envia todos os meses. Não bastasse o peso de criar os meninos, ainda resta a ela a responsabilidade pelas garotas órfãs (uma delas deficiente física) o que conforme podemos perceber ao longo da narrativa, torna as coisas cada vez mais complicadas para a instável matriarca.
Como é típico dos psicopatas, que por algum tempo até conseguem esconder sua verdadeira essência por trás de uma máscara de pretensa simpatia e afeição, Ruth vê seu frágil superego colapsar diante de um compromisso tão grande.
Pressionada e sentindo-se desamparada, Ruth passa a despejar seu balde de ódio sobre Meg, começando com abusos psicológicos sutis, como falar de seu peso (para ela, Meg estava gorda), falar do quanto é horrível ser mulher - partindo para a restrição de alimentos (Ruth proíbe Meg de comer) e posteriormente, chegando a violência física como surras na garota e em sua irmã mais nova.
Bastava a presença de Meg dentro de casa, para que a megera começasse a sessão de torturas psicológicas que passaram a seguir uma escalada insana: Ruth começa a incentivar os filhos a agredirem a jovem também.
A essa altura a história começa a ficar indigesta. Confesso que fui espaçando os capítulos, pois foi realmente muito difícil ler com fluidez, sem me ressentir por Meg... A misoginia de Ruth fica clara, quando as ofensas verbais são direcionadas a garota simplesmente por ela ser do sexo feminino, por ser bela e consequentemente cobiçada por isso.
Para os sociopatas, a feminilidade, a delicadeza e a afetividade são fraquezas, já que os próprios não possuem tais atributos. Dessa forma seu intento passa a ser destruir aqueles que os têm.
Após trancar Meg definitivamente no porão, as sessões de tortura se mostram mais intensas, primeiro com queimaduras de cigarros, surras, privação severa de alimentos, estupro e começam a contar com a participação de outros jovens da vizinhança - que se juntam a missão macabra. Ruth manda o filho rabiscar com uma lâmina a seguinte frase no corpo de Meg: "Eu fodo, me fode". A garota, já fragilizada por tanto sofrimento ainda resiste a queimaduras com ferro quente em sua genitália.
David, o narrador, presencia tudo e tenta em vão ajudar Meg a fugir. Até que um belo dia, finalmente se rebela de vez e ataca os Chandler. 
Mas ao invés de conseguir libertar sua amiga, ele fica preso junto a ela e Susan no porão.
O final da história é previsível. Mesmo assim não vou dar spoiler. 
É triste constatar que Meg poderia ter sido salva, se David tivesse agido antes.
Mas o cérebro dos adolescentes é imaturo, subdesenvolvido no que diz respeito a controle de impulsos e empatia, o que não justifica seu comportamento, mas explica em partes.
No caso de David, por vivenciar experiências de abusos domésticos (conforme Ketchum relata na história, o pai agredia a mãe constantemente), o garoto foi se dessensibilizando, acostumando-se às agressões de toda a natureza como se fossem algo rotineiro.




A história da americana Sylvia Likens não é tão diferente da Meg de Jack Ketchum.
A Meg da vida real viveu na década de 60 e era filha de artistas circenses (Betty e Lester Likens) que viajavam muito a trabalho e num dado momento, resolveram deixar as filhas com a vizinha Gertrude Baniszewiski. Em troca enviariam cerca de 20 dólares por mês para custear as despesas das meninas.
Gertrude, assim como Ruth, possuía transtornos mentais severos, oriundos de relacionamentos abusivos. Era desnutrida, fumante inveterada e sofria de "depressão".
Quando o dinheiro dos pais parou de chegar, Gertrude passou a surrar as garotas, direcionando sua raiva com mais intensidade a Sylvia, provavelmente por sua beleza e simpatia. 
As surras, privação de comida, foram escalando para a tortura e abusos sexuais (como os narrados na ficção) tamanha era a violência que Gertrude e seus filhos (e posteriormente vizinhos) perpetravam contra a jovem, que ela passou a ter até incontinência urinária. 
Ela chegou a ser estuprada com garrafas de Coca-Cola e não conseguia mais segurar a urina. Gertrude com raiva, a obrigava a beber o próprio xixi e a comer as próprias fezes.
Após ser agredida com um golpe fatal na cabeça, um hematoma subdural foi a causa da morte de Sylvia e sua libertação de todo esse sofrimento.
Depois de informada do ocorrido pelos Barniszewiski, a polícia compareceu ao local e a irmã de Sylvia, mesmo com medo, denunciou todos os participantes das sessões de tortura aos policiais, que os detiveram. 
Eles foram levados a júri, sofrendo as penalidades impostas pela lei do estado de Indiana. Gertrude foi condenada a prisão perpétua, mas foi solta em 1985 por bom comportamento, sob os protestos da sociedade. Morreu 5 anos depois, de câncer no pulmão.

Após a leitura dessa obra espero sinceramente que você leitor, faça uma reflexão sobre os tipos de seres humanos que existem no mundo.
Há lobos em pele de cordeiro e eles estão no meio de nós.
Cabe a nós identificá-los e não só nos defendermos deles, como também protegermos os mais frágeis de suas ações deploráveis.
Não há compaixão para aqueles que não possuem empatia, afeto ou conexão com o próximo.
Animais selvagens que atacam sorrateiros, seres de sua própria espécie, devem viver enjaulados. Ou seja: psicopatas, assim como os leprosos da antiguidade, devem viver totalmente isolados da sociedade.

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