Sue Black é antropóloga forense da Coroa Britânica e nos presenteia com a narrativa de suas experiências profissionais em sua obra "Ossos do Ofício".
No Reino Unido a antropologia forense é uma ramo da perícia criminal. Quando os patologistas não conseguem mais solucionar o enigma dos corpos já em estado avançado de decomposição que chegam ao Instituto Médico Legal - mais precisamente os esqueletizados - então o antropólogo entra em campo com seu conhecimento aprofundado sobre os ossos do corpo humano.
De acordo com Sue, cada osso é capaz de nos contar um pouco da história de vida daquele ser humano a quem pertenceu. Por menor que seja, um fragmento pode revelar não apenas os genes e a identidade do seu possuidor, mas também detalhes a respeito da forma como essa pessoa morreu.
O mais interessante dessa obra é que paralelamente ao conhecimento técnico que Sue habilmente expõe, ela também nos traz um olhar de humanidade não apenas para os restos mortais analisados por ela durante seus anos de profissão, como também sobre as partes do nosso próprio corpo. Eu por exemplo adquiri uma consciência corporal muito maior após essa leitura. Digo isso porque conhecer mais detalhadamente aspectos sobre o meu corpo, mais especificamente sobre meus ossos, que me fornecem sustentação em minhas atividades diárias é algo fascinante.
Eu sou farmacêutica e estudei anatomia na faculdade, porém não me especializei no tema a ponto de conhecer minúcias. Para quem flerta por exemplo, com a área da perícia criminal, sendo profissional de saúde ou não, a leitura de um livro como esse é bastante enriquecedora do ponto de vista técnico e como experiência de vida - agrega informações extremamente úteis, pois proporciona autoconhecimento, a medida que passamos a compreender melhor como funciona nosso corpo.
O livro é dividido em cinco partes. A primeira "O esqueleto" vai nos introduzir ao tema - a antropologia, o estudo do esqueleto humano e suas aplicações na perícia forense, na segunda: "Cabeça" ela traz casos interessantes de como identificou cadáveres a partir de crânios já em completo estado de decomposição (cito um exemplo abaixo). A terceira parte "Corpo", divide-se em espinha, peito e garganta e um fato bastante interessante que ela descreve nesse capítulo é a "fratura do enforcado" sobre a qual eu tinha uma noção muito rasa e complementei bastante meus conhecimentos através da leitura. Na quarta parte ela fala dos "Membros" e destrincha o funcionamento das cinturas escapular e pélvica, ossos longos, pés e mãos. A conclusão vem na quinta parte: "Juntando os ossos" e realmente nos faz refletir sobre todo o aprendizado adquirido durante a leitura e como isso fará diferença em nossas vidas.
Um dos casos que a autora expõe e o da coreana Jin Hyo Jung.
Dois rapazes estavam de carro no campo quando viram uma mala prateada largada numa vala lateral de uma estrada remota. Eles pararam para dar uma olhada - ela estava pesada e quando eles repararam que da mala vazava um líquido marrom e um odor pungente, eles não a abriram: ligaram para a polícia da região.
No necrotério, a polícia e o patologista abriram a mala e encontraram uma jovem nua, encolhida em posição fetal - o rosto e a cabeça estavam enrolados em fita adesiva, as feições visíveis indicavam que era de origem asiática, porém as impressões digitais e o DNA dela não foram localizados nos bancos de dados da Instituição. Nada parecia bater com os nomes listados nos registros de desaparecidos do Reino Unido. Sem pistas sólidas e com o rosto do cadáver desfigurado pela decomposição e as fitas, a antropóloga forense entrou em ação.
Após a realização de exames minuciosos no cadáver e com base em radiografias, Sue estabeleceu que a jovem tinha entre 20 e 25 anos de idade quando morreu.
Assim, a Interpol emitiu uma notificação internacional sobre um corpo encontrado, não identificado com essas características. Na França, uma estudante sul coreana havia desaparecido e após comunicação com a embaixada da Coreia do Sul e uma transferência de impressões digitais do documento dela, a identidade foi logo confirmada.
Jin Hyo Jung estava visitando o Reino Unido como turista e tinha alugado um quarto no apartamento que pertencia a um senhorio coreano, em Londres. No apartamento do homem foi encontrado o rolo de fita utilizado para enrolar o rosto da jovem. E aquele rolo de fita continha sangue compatível com o da vítima. O sangue de Jin também foi encontrado no apartamento e no carro do senhorio - Kim Kyu Soo.
Após vasculharem outra propriedade de Kim, a polícia encontrou o corpo de outra jovem sul coreana que havia desaparecido anteriormente - ela estava dentro de um guarda-roupa amarrada com a mesma fita. Preso e levado a julgamento, ele foi considerado culpado pelo homicídio das duas mulheres, roubo de suas contas bancárias - ele havia retirado todo o dinheiro da conta das garotas - bem como por obstrução de justiça, pois ocultou os corpos. Ele foi sentenciado a prisão perpétua duas vezes.
Os aspectos técnicos que conduziram Sue a essa conclusão são descritos no livro, a análise de aspectos de desenvolvimento e envelhecimento dos ossos, não apenas do crânio mais de outras partes do corpo foram cruciais para a determinação da idade da vítima e por fim, possibilitou o esclarecimento de sua identidade em conjunto com a divulgação adotada pela Interpol.
Para quem estiver interessado em atuar nessa área, recomendo essa leitura como forma de aprofundar-se no tema, mas esclareço que o livro aborda especificamente a antropologia forense (o estudo dos ossos, do cadáver esqueletizado). Outros livros, contendo temas como a patologia forense, que abrange mais os aspectos dos cadáveres em menor estado de decomposição, como pro exemplo "O Segredo dos corpos" do Dr. Vincent de Mayo também são bastante enriquecedores.
Espero que tenham gostado da dica! Tenham uma excelente leitura.